Uma noite dessas estava procurando um filme para assistir na Netflix, de preferência algo nacional. Assim, reparo: tirando alguns filmes e documentários excelentes da lista, é nítida a má distribuição e desvalorização das produções audiovisuais brasileiras.  Claro, tenho consciência que deve existir alguma questão burocrática atrás disso, mas é decepcionante analisar uma imensa lista de filmes, onde no lugar excelentes produções poderiam estar.

Quando você enxerga o cinema nacional, você compreende que no audiovisual é possível mais do que uma linguagem.

Foto: Wayan Vota
Foto: Wayan Vota

“A grama do vizinho é mais verde”, até no cinema.

É cultural. Podemos observar que as crianças, dependendo da classe social, são inspiradas com poucos gêneros audiovisuais, e predominantemente o Hollywoodiano. Os primeiros longas vistos de uma criança distraída são as produções norte-americanas, por um quesito social. Não estou desmerecendo ou esquecendo de outras fantásticas criações, pelo contrário, estou levantando a questão de que pela quantidade de produção de uma cultura dominante, automaticamente leva em conta uma questão revolucionária e “cineducativa”.

Por isso, o caminho a ser trilhado para a verdadeira valorização do cinema nacional é longo, demorando um certo tempo na sua compreensão e finalidade. É algo difícil de entender, pois o país é uma dimensão continental, e tem uma beleza, sensibilidade, e individualidade tão grande em sua linguagem audiovisual que é impossível não se encantar.

Que Horas Ela Volta? (2015) - um filme dirigido por Anna Muylaert. Ganhou ótima classificação nacional e internacional.
Que Horas Ela Volta? (2015) – um filme dirigido por Anna Muylaert. Ganhou ótima classificação nacional e internacional.

Em todos os gêneros, o cinema nacional é extremamente poético e político. Podemos nos vangloriar, pois belo baixo orçamento nas produções nacionais, é evidente uma originalidade no jogo de imagens e palavras, mesmo que de forma irrelevante e cômica. E quando mergulhamos no roteiro e nos distraímos, nos apaixonamos instantaneamente, já que a empatia que nossa sociedade tem em cada personagem é evidente.

“É um cinema de autoria mais contundente. ” 

Para contar uma história, a mesma deve ser vivenciada.

Muitos marcos políticos geraram os movimentos artísticos, pois todo grande artista registra sua época, tanto quanto o Cinema Novo, como diversos materiais audiovisuais que desenharam o nosso cenário contemporâneo da época. Passamos por diversas mudanças, até mesmo quando haviam pouquíssimas produções, se formos comparar com a densidade e liberdade contemporânea.

A indústria audiovisual brasileira ainda está crescendo, sendo algo positivo, pois a bagagem cultural nacional que carregamos é intensa, podendo gerar diversos roteiros. Tanto que muitos diretores nacionais são orgulhosos de seus projetos envolta de uma cultura nada homogênea, cheio de níveis sociais e singularidade na estética.

Frame do filme Auto da Compadecida (2000), direção de Guel Arraes, roteiro de Adriana Falcão e autoria literária do incrível Ariano Suassuna.
Frame do filme Auto da Compadecida (2000), direção de Guel Arraes, roteiro de Adriana Falcão e autoria literária do incrível Ariano Suassuna.

Auto da Compadecida é um exemplo de peça teatral virar uma referência poética da realidade do brasileiro. As cenas parecem pinturas de grandes artistas plásticos. O filme possui uma bela e forte base literária, artística e fotográfica.

Por isso, podemos entender que todas as artes se entrelaçam. A literatura, as artes plásticas e o cinema se completam em diversos quesitos, pois todas debatem um enredo que consiste em cultura, ética, ideologia e a complexidade da psique humana.

E falando em artes plásticas, se formos analisar Macunaíma, direção e roteiro de Joaquim Pedro de Andrade e autoria literária de Mário de Andrade, é nítida a inspiração do estudo primitivo, algo que também podemos notar na arte de Picasso. Ou seja, é clara a semelhança de caminho estabelecido em todas as artes e em todo o mundo.

Macunaíma foi uma obra prima de Maria de Andrade, o escritor que fez parte da primeira geração modernista no Brasil.
Macunaíma foi uma obra prima de Maria de Andrade, o escritor que fez parte da primeira geração modernista no Brasil.

O que é estrangeiro não deve ser repelido, pelo contrário, ele deve ser adicionado na cultura do observador e causar uma ótima mudança. 

Não só nas artes, mas para qualquer tipo de debate social, a bagagem cultural é essencial. Não digo uma bagagem de alta complexidade, mas conhecido como alguém culto, eu digo a bagagem cultural do meio que um indivíduo vive, ser informado e saber interpretar o seu cotidiano.

Por essa razão, sou a favor de todas as séries e filmes internacionais ganharem espaço em nosso país, pois não existe outra forma se não nos beneficiar disso, e os colocar como referência para as produções audiovisuais nacionais.

Assim, creio que devemos popularizar o mercado cinematográfico nacional em todas as oportunidades que tivermos, e como muitos já implantam esse perfil, utilizar os filmes como um recurso didático para crianças, ganhando a possibilidade de descobrir o cinema nacional logo cedo, e quem sabe transformar toda uma geração “Netflix”.

Enfim, adicionar possibilidades de escolha na lista de filmes nacionais.

Estudantes assistindo um filme na quadra de esportes.
Estudantes assistindo um filme na quadra de esportes.

Pois é, um mínimo detalhe possui várias ramificações quando falamos sobre cinema nacional.