Com a estreia da terceira temporada da série Reacher na Prime Video, decidi revisitar os dois filmes estrelados por Tom Cruise, que sempre gostei, mas que assisti antes de conhecer o personagem e antes de ler qualquer um dos livros. O sentimento de reassistir os filmes depois de ter mergulhado no universo dos livros e na versão televisiva foi diferente. Ainda gosto muito deles, especialmente do primeiro, que considero excelente, mas agora sinto que falta algo crucial.
A polêmica em torno do Jack Reacher de Cruise começou no momento em que seu nome foi anunciado. Lee Child, criador do personagem, sempre enfatizou que Reacher foi concebido como um “Golias do bem”, um homem de 1,96m de altura e quase 115 kg de músculo. Ele não é apenas forte, mas estrategista, um gigante analítico que combina brutalidade com inteligência.
A escolha de Cruise, que tem 1,70m e um físico mais próximo de um corredor de longa distância do que de um brutamontes invencível, causou revolta nos fãs dos livros. No entanto, sua atuação trouxe um lado inesperado para o personagem: ao invés da pura intimidação física, o Jack Reacher do cinema se tornou uma força de cálculo frio e sagacidade inabalável.

O primeiro filme, Jack Reacher: O Último Tiro (2012), dirigido pelo experiente Christopher McQuarrie, é um thriller policial sólido e extremamente eficiente. Baseado no livro “Um Tiro”, a história gira em torno de um atirador acusado de assassinar civis aleatórios, e Reacher entra em cena para expor uma conspiração maior. Com uma direção sóbria, cenas de ação precisas e um protagonista que pensa antes de agir, o filme se destaca no gênero. O problema? A tentativa de convencer o público de que Cruise é fisicamente imponente.
Há uma cena levemente cômica e constrangedora em que Helen Rodin (Rosamund Pike) observa Reacher sem camisa, impressionada. O problema é que o que vemos na tela não é exatamente um físico intimidador: apenas a barriga estranha de um senhorzinho de quase 60 anos se passando por um jovem de 30. A cena não envelheceu bem, mas o filme, em sua essência, sim.

Já Jack Reacher: Sem Retorno (2016), dirigido por Edward Zwick, é uma tentativa de expandir o universo do personagem, mas perde a precisão cirúrgica do primeiro. Baseado no livro homônimo, o filme tenta trazer mais profundidade emocional ao protagonista, introduzindo um possível vínculo familiar e ampliando sua dinâmica com a Major Susan Turner (Cobie Smulders).
No entanto, a história se torna um thriller genérico de ação, sem o mesmo cuidado narrativo do primeiro longa. Enquanto “O Último Tiro” funcionava por sua abordagem metódica, “Sem Retorno” parece uma tentativa de transformar Reacher em mais um herói de ação convencional. Cruise continua sólido no papel, mas a falta de um roteiro mais elaborado torna essa continuação esquecível.

Se os filmes se distanciam da visão física de Lee Child, a série da Prime Video faz o caminho contrário. Alan Ritchson, que assume o papel de Reacher, é exatamente o que os fãs dos livros imaginavam: um colosso humano, com a presença física de um tanque de guerra. O primeiro episódio deixa claro que este Reacher pode simplesmente esmagar qualquer um que entrar em seu caminho.
O problema é que, ao acertar na aparência, a série parece ter perdido algo no processo: a sagacidade do personagem. Reacher na série é um homem de poucas palavras e de poucas mudanças. Ele começa e termina a temporada exatamente do mesmo jeito, sem grande evolução emocional ou intelectual.
Isso nos leva a um dilema interessante: qual versão de Jack Reacher é a definitiva? O intelecto afiado e a precisão estratégica de Cruise ou a força bruta e a presença física de Ritchson? A resposta, talvez, seja nenhuma das duas.

Os filmes funcionam muito bem como thrillers independentes, especialmente o primeiro, que ainda se sustenta como uma narrativa envolvente e bem construída. A série, por outro lado, é um presente para os fãs que sempre quiseram ver o Reacher musculoso dos livros ganhar vida. Mas ela tropeça na repetição e na falta de desenvolvimento do protagonista.
No fim, talvez o segredo esteja na forma como consumimos essas histórias. Se você quer um thriller de ação eficiente, os filmes de Cruise ainda entregam uma experiência sólida. Se busca fidelidade absoluta ao material original, a série da Prime Video é a escolha certa. Mas se deseja um Jack Reacher verdadeiramente completo, talvez seja melhor abrir um livro de Lee Child e deixar a imaginação fazer o trabalho.
