Imagine um mundo terrível, onde ninguém tem privacidade e onde há um dispositivo automático de vigilância em todas as casas. Este dispositivo registra instantaneamente tudo que acontece com cada pessoa, suas falas, suas atitudes, suas vontades e, dessa forma, todos vivem à mercê de um regime autoritário e controlado.
Este é o clima proposto por George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, em seu clássico e distópico livro 1984.
Vamos começar com a sinopse da obra:
1984 conta a história de Winston Smith, um homem com uma vida aparentemente insignificante, que recebe a tarefa de perpetuar a propaganda do regime através da falsificação de documentos públicos e da literatura, a fim de que o governo sempre esteja correto no que faz. Smith fica cada vez mais desiludido com sua existência miserável e assim começa uma rebelião contra o sistema.
Winston é um típico funcionário público. Tem um apartamento, um bom emprego e uma vida comum, para os padrões de Londres do “longínquo” ano de 1984. Seu emprego consiste, basicamente, em apagar partes de jornais e livros antigos, substituindo por novas passagens que favoreçam ao atual (e inquebrável) sistema de governo. Em seguida, os originais são destruídos e a mentira para a ser verdade.
Logo nas primeiras linhas do texto, você já nota que tem nas mãos um livro inacreditável, com conceitos fantásticos e repleto de mensagens ocultas (outras, nem tanto). E, nesse aspecto, vale citar que Winston trabalha no Ministério da Verdade, um dos muitos ministérios com nomes sugestivos descritos ao longo da história. O Ministério responsável pelas prisões, torturas e assassinatos dos inimigos do estado, por exemplo, se chama Ministério do Amor.
Dentro de todas as casas, há um peculiar dispositivo. Chamado de teletela no livro, este aparelho que nada mais é do que uma SmartTV gigante, que tem a capacidade de transmitir e receber imagens ao mesmo tempo. Dessa forma, enquanto mostram notícias para população, as teletelas vigiam as atitudes de cada um deles.
Toda a história se inicia quando Winston descobre que há um canto de sua casa onde a teletela não consegue vê-lo. Um espaço vazio onde deveria estar uma estante de livros. Ali se formou um ponto cego e ele costuma usá-lo para fugir do olhar atento do Grande Irmão. Explico sobre ele um pouco mais a frente.
Naquele tempo, não existem leis. Pode parecer confuso e anárquico, mas é a forma mais genial de controle populacional. Afinal, se não existem leis, o Estado pode prender qualquer um pelo motivo que quiser. Ao mesmo tempo é difundida o conceito do crime-ideia, ou, como na versão que possuo, do pensamento-crime. Isso quer dizer que você não precisa cometer o crime para ser considerado culpado por ele. O simples ato de pensar nele e considerar realizá-lo em sua mente já faz de você um criminoso, passível de ser sentenciado com a morte.
Winston consegue um pequeno caderno e passa a escrever ali suas ideias, a maioria delas, revolucionárias e contrárias ao governo. Em um determinado momento, ele comenta que o que ele escreve não importa. O ato de pensar mal do governo e de pensar em escrever é o maior crime que ele poderia ter cometido. E, cedo ou tarde, eles acabarão descobrindo o que ele fez.
O fato é que, apesar do todo o controle e de toda a coletividade imposta pelo Partido, Winston se sentia totalmente sozinho em seu mundo. As ideias de revolta estavam cada vez mais fortes e sua mente e isso começa a enlouquece-lo.
Tudo muda quando ele conhece Júlia. Ela é uma típica “camarada” do Partido, que é militante e elogia as suas doutrinas, mas que vive secretamente em contradição com elas. Ao mesmo tempo, torna-se amante de Winston. Ah, se eu ainda não disse, o sexo é proibido. Só pode ser realizado para fins de reprodução. Dessa forma, Winston comente um novo crime ao envolver-se sexualmente com Júlia.
Winston também se vê encantado com a figura de O’Brien, um membro do alto escalão do Partido que se mostra favorável as ideias revolucionárias dele. E é justamente neste ponto que a história sofre uma grande reviravolta.
O GRANDE IRMÃO
Todo o sistema de governo é representado pela figura paternal e onipresente do Grande Irmão. Este agradável e carismático homem de bigode que estampa todos os pôsteres e cartazes do governo é tido como a própria personificação das virtudes do Partido. Mas o fato é que ele nunca foi visto pessoalmente por ninguém. Ainda assim, é cultuado religiosamente pelos membros do Partido.
Do outro lado, como inimigo público número um, temos a imagem de Emmanuel Goldstein. Ele era um dos principais membros do Partido até revoltar-se contra o Grande Irmão. E, assim como o próprio Grande Irmão, Goldstein nunca foi visto. O livro nos faz crer que, se ele realmente existiu, provavelmente já está morto há muito tempo. O mais provável é que ambos tenham sido criados para fins de propaganda.
Estes dois personagens representam algo incrível. Uma técnica de persuasão muito utilizada por empresas nos dias de hoje. Pense comigo: é muito mais fácil amar ou odiar alguma coisa se existir uma imagem que represente aquela coisa. É muito mais fácil amar o Partido amando o Grande Irmão do que simplesmente amando as ideias dissimilas em cartazes. É mais fácil odiar todos que forem contra o Partido odiando alguém que lidere estes revolucionários.
Até mesmo a ideia do ódio é bem trabalhada. Durante dois minutos por dia, a imagem de Goldstein é exibida nos telões para que todos externem seu ódio por ele. Dessa forma, o ódio e a revolta contida em cada um deles é direcionada para um único lugar. Para o lugar que o Partido decidir.
Nos pôsteres do Partido, vemos a imagem do Grande Irmão seguida da frase:
BIG BROTHER IS WATCHING YOU (O GRANDE IRMÃO ESTÁ TE OBSERVANDO)
Podemos interpretá-la de várias formas. Ao mesmo tempo que transmite uma mensagem otimista, não esconde que o Partido vigia cada pessoa constantemente. A primeira versão que li traduzia a frase como “O Grande Irmão zela por ti”. Eu particularmente, não acho adequada, pois ela anula os múltiplos significados propostos pelo autor. Na versão atual que possuo, usaram “O Grande Irmão está de olho em você”. Pra mim, esta e a tradução mais correta.
NOVAFALA
Um dos conceitos mais geniais do livro certamente é a novafala. Este novo idioma que, pouco a pouco, substitui o idioma comum, tem uma peculiaridade muito interessante: com o passar do tempo ele fica menor.
Qualquer idioma conhecido fica maior conforme os anos passam. Novas palavras são inseridas, vindas das mais diversas referencias. Já no novafala, a cada nova edição do Dicionário, menos palavras constam. Essa é uma ótima forma de controlar o pensamento das pessoas. Afinal, se você não sabe como se referir a um sentimento ou a uma ideia, não pode pensar neles. E se você não pensa num ato, não pode planejá-lo nem realiza-lo.
QUANDO ESTIVESSE FINALMENTE COMPLETA, A NOVAFALA PODERIA IMPEDIR A EXPRESSÃO DE QUALQUER OPINIÃO CONTRÁRIA AO PARTIDO.
É da novafala que vem a ideia famosíssima do Duplipensar, um conceito incrivelmente bem desenvolvido que diz que é possível que uma pessoa possa conviver simultaneamente com duas crenças opostas e aceitar ambas. Por exemplo, todos aceitam os nomes dos Ministérios, que representam exatamente o contrário do que sugerem. O Ministério da Verdade, no qual Winston trabalha, nada faz além de mentir, alterando a verdade de documentos.
PONTOS IMPORTANTES DO LIVRO
Em 1984 há apenas três nações importantes, sendo que duas delas sempre estão guerra.
Oceania – É o maior dos impérios. Winston vive aqui. O Partido governa toda a Oceania, América, Islândia, Reino Unido Irlanda e grande parte do sul da África.
Eurásia – É o segundo maior império e consiste de toda a Europa (exceto Islândia, Reino Unido e Irlanda), quase toda a Rússia e pequena parte do resto da Ásia.
Lestásia – É o menor império e consiste de países orientais como China, Japão, Coreia, parte da Índia e algumas nações vizinhas.
Outros territórios, como o norte da África, o centro e o Sudeste da Ásia e a Antártica permanecem em disputa.
A sociedade se divide em 3 classes:
Alta – Grande Irmão e Partido Interno (2%)
Média – Partido Externo (13%)
Baixa – Proles (85%)
Outro ponto peculiar e totalmente interessante são os Ministérios, que são as principais representações do Partido. São encarregados, cada um da sua forma, de manter a paz e harmonia das ideologias do Partido. São eles:
Ministério da Verdade (em Novafala: Miniver)
É onde Winstons trabalha. Ele é responsável pela alteração de documentos e literatura que possam servir de referência ao passado, de forma que ele sempre condiga com o que o Partido diz ser verdade atualmente. Seguindo essa lógica, o Partido é infalível, pois nunca errou.
Ministério da Paz (em Novafala: Minipaz)
É responsável pela Guerra. Mantendo a Guerra contra os inimigos da Oceânia, que podem ser tanto a Lestásia quanto a Eurásia. Depende da situação. A Guerra apresentada no livro é usada de forma permanente para manutenção dos ânimos da população num ponto ideal. Uma forma muito eficiente de domínio.
Ministério da Pujança (em Novafala: Minipuja)
É responsável pela economia. Divulga boletins de produção exagerados fazendo toda a população achar que o país vai bem. Entretanto, seus números de nada contribuem para o bem-estar da camada mais baixa da população de Oceania, a prole.
Ministério do Amor (em Novafala: Minamor)
É responsável por manter a lei e a ordem. Ele lida com quem se vira contra o Partido, julgando, torturando e fazendo constantes lavagens cerebrais. Para o Ministério, não basta eliminar a oposição, é preciso convertê-la. O prédio onde está localizado é uma verdadeira fortaleza, sem janelas. Seus enclausurados não tem a menor noção de tempo e espaço, sendo este mais um instrumento para a lavagem cerebral dos dissidentes do regime.
CURIOSIDADES
Orwell finalizou o livro em 1948, enquanto sofria de um quadro crítico de tuberculose. Ele enviou o texto final do livro para seus editores em 4 de dezembro de 1948, sendo que o mesmo só foi publicado em 8 de junho de 1949. Por esse motivo, muita gente acredita que o título foi escolhido unicamente através da inversão de 48 para 84.
Em 1989 (o ano do meu nascimento ^^), 1984 já havia sido traduzido para mais de 65 idiomas, mais do que qualquer outro romance de um único autor.
O primeiro título do livro era O Último Homem da Europa.
O livro foi adaptado para o cinema duas vezes. A primeira adaptação foi realizada por Michael Anderson em 1956 e trazia Edmond O’Brien no papel principal, Jan Sterling como Júlia, Donald Pleasence como Parsons e Michael Redgrave como O’Brien. A segunda adaptação foi feita por Michael Radford no próprio ano de 1984, trazendo John Hurt no papel principal, Suzanna Hamilton como Júlia, e Richard Burton, em seu último papel no cinema, como O’Brien.
O famoso reality show Big Brother foi inspirado pelo livro, como o título sugere. Os criadores quiseram passar a mesma ideia, de pessoas observadas e julgadas por seus atos 24 horas por dia. O espólio de George Orwell processou os criadores e um acordo fora dos tribunais foi fechado.
Em 1974, o saudoso cantor David Bowie lançou o álbum “Diamond Dogs”, com músicas fortemente inspiradas pelo livro.
Em 1984, a Apple lançou um comercial produzido e dirigido por Ridley Scott, consgrado por filmes como Alien (1979) e Blade Runner (1982). O cenário do anúncio é o mundo de 1984, no qual o Grande Irmão reunia a população mentalmente escravizada para sessões diárias de lavagem cerebral. A Apple, com seu Macintosh, é representada por uma mulher vestindo roupas atléticas que contrastam com a escuridão e que destrói a enorme teletela com um artelo de arremesso. Novamente, o espólio de George Orwell processou a Apple e o comercial foi tirado do ar. Ainda, é considerado um dos mais marcantes na história da publicidade. Clique AQUI para vê-lo.
CONCLUSÃO
Imagine um mundo terrível, onde ninguém tem privacidade e onde há um dispositivo automático de vigilância em todas as casas. Este dispositivo registra instantaneamente tudo que acontece com cada pessoa, suas falas, suas atitudes, suas vontades e, dessa forma, todos vivem à mercê de um regime autoritário e controlado.
Na verdade, não precisa imaginar. Você já vive nesse mundo. Só que as teletelas são os computadores, os smartphones e as redes sociais. E ninguém precisa nos obrigar a dizer tudo que estamos fazendo. Nós fazemos isso por livre e espontânea vontade através do facebook e do twitter.
Parabéns, Orwell. Você não poderia estar mais certo.