Há filmes que deixam marcas profundas, provocam reflexões e nos fazem repensar certos aspectos da vida. Outros parecem gritar desesperadamente por atenção, acreditando que uma estética agressiva e uma edição frenética são sinônimos de profundidade. Mas A Substância, de Coralie Fargeat, infelizmente, pertence ao segundo grupo.
E talvez essa seja sua maior ironia: um filme que pretende criticar a futilidade do culto à juventude acaba sendo tão superficial quanto o mundo que busca satirizar.
A trama acompanha Elisabeth Sparkle (Demi Moore), uma apresentadora de TV que vê sua carreira e sua juventude escaparem por entre os dedos. A resposta para seus problemas parece vir na forma de um tratamento experimental, a Substância do título, que promete restaurar sua aparência. Mas o que começa como um milagre logo se transforma em um pesadelo grotesco, à medida que a promessa de juventude eterna cobra um preço alto e insuportável.

A ideia é, sem dúvida, interessante. A literatura e o cinema já exploraram a obsessão pela beleza de diversas formas, desde O Retrato de Dorian Gray e Morte lhe Cai Bem até o recente O Demônio de Neon, e há sempre espaço para novas abordagens.
Mas o problema é que A Substância escolhe o caminho mais óbvio e exagerado, escancarando sua crítica sem nenhuma sutileza. O filme se apoia na ideia de que está denunciando a exploração do corpo feminino, mas, ironicamente, ele próprio se entrega a essa exploração.
A câmera de Fargeat se demora em corpos femininos, exibe nudez sem propósito narrativo e trata os homens como caricaturas grotescas, reforçando estereótipos em vez de subvertê-los.
O que poderia ser um horror corporal provocador e inteligente se transforma em um videoclipe caótico, que busca chocar sem nunca construir impacto real. A montagem picotada e a estética saturada tentam emular o frenesi das redes sociais, como se cada cena precisasse ser um conteúdo viral. O resultado é um filme que não dá tempo para o espectador respirar, tornando-se cansativo e previsível. O roteiro também se perde em sua tentativa de criar algo “grande demais”, multiplicando reviravoltas até que a narrativa colapse sob o peso de sua própria pretensão.

Nos primeiros momentos, há uma promessa de algo mais interessante. A cena de abertura, com a Calçada da Fama repleta de estrelas desbotadas e esquecidas, é uma metáfora poderosa sobre a efemeridade da fama. O filme poderia ter se sustentado nesse tom melancólico, acompanhando Elisabeth de maneira mais contida e introspectiva. Mas, ao invés disso, rapidamente mergulhamos em uma sucessão de cenas que parecem montadas para “causar impacto”, sem nenhuma organicidade.
Demi Moore, por sua vez, entrega uma atuação comprometida e magnética. Ela se apropria de sua própria trajetória como ícone de Hollywood para dar profundidade a Elisabeth, construindo uma personagem que, ao menos no início, carrega camadas de fragilidade e obsessão.
A cena em que ela se olha no espelho, repetindo a mesma rotina de maquiagem e remoção, é um dos raros momentos em que sentimos o peso do que está em jogo. Mas, conforme o filme avança para o delírio absoluto, até mesmo sua performance acaba soterrada pelo excesso.

Margaret Qualley faz o que pode com um papel ingrato, mas sua presença carece de intensidade. Já Dennis Quaid parece saído de um desenho animado, interpretando um vilão tão exagerado que perde qualquer traço de ameaça.
É curioso como o filme trata os personagens masculinos com um maniqueísmo quase infantil: são todos monstros ou completos idiotas, sem nuances ou qualquer profundidade.

O maior problema de A Substância é que, ao final, ele não deixa nada de significativo. O gore, que poderia ser impactante, soa raso e genérico — A Bolha Assassina (1988) causou mais impacto com muito menos recursos. As ideias existencialistas que o filme tenta sugerir no terceiro ato não têm tempo para se estabelecerem, pois a narrativa está mais interessada em acumular choques visuais do que em desenvolver seus conceitos.
O desfecho se arrasta em uma tentativa desesperada de encontrar uma “cena final” marcante, mas tudo o que resta é a sensação de que assistimos a uma grande bagunça sem substância.

Se há algo a se destacar, é que A Substância provavelmente terá apelo entre um público mais jovem, acostumado a estímulos visuais intensos e a uma narrativa mais fragmentada. Mas, para quem esperava algo mais do que um horror histérico e estiloso, a experiência é frustrante.
E, no fim das contas, depois de ter assistido Anora e A Substância, posso afirmar com convicção: aquele Oscar deveria ter sido da Fernanda Torres.