Há quase um ano que não publico críticas neste site. Muitos motivos me levaram a isso e não pretendo abordá-los aqui. Mas vale destacar que fui acometido por um certo desencanto. O cinemagem me trouxe grandes alegrias. Conheci pessoas incríveis, viajei pelo Brasil e participei de grandes eventos, tudo isso por conta deste portal, que me acompanha há quase 12 anos. Mesmo assim, em algum momento, as coisas amargaram.
E qual não foi a minha surpresa a decidir assistir a nova produção da Disney, lançada na última sexta-feira (18) direto no streaming, e me deparar com uma trama que, de certa forma, ecoa na minha própria história. Calma que eu já vou explicar isso melhor, mas vamos conhecer alguns detalhes importantes sobre o filme, antes disso.
O novo filme está sendo lançado 15 anos depois do original “Encantada” (2007) e boa parte do elenco original está de volta. Temos Amy Addams no papel de Giselle, Patrick Dempsey como Robert Philip, James Marsden dando vida ao príncipe Edward e Idina Menzel como Nancy. Já Rachel Covey, atriz que interpretava a Morgan no primeiro filme, foi substituída por Gabriella Baldacchino.
No primeiro filme, rimos e choramos com a história de Giselle, depois que ela foi transportada de um mundo mágico para a cidade de Nova York, onde precisou se acostumar com a agitada vida real contemporânea. Depois de muitos perrengues, ela decide ficar naquele mundo e viver feliz para sempre como seu novo amor. Na sequência, descobrimos que o “felizes para sempre” dos contos de fadas nem sempre funciona no mundo real.
Desiludida, Giselle convence sua família a se mudar para o subúrbio, onde ela pretende ter uma vida um pouco mais calma e mágica. Ao mesmo tempo, pretende restaurar o vínculo com a filha adotiva Morgan, que agora é uma adolescente e já não se interessa pelas histórias de magia que Giselle tanto ama contar. E o problema se torna ainda maior quando a mãe desesperada decide fazer um pedido mágico para que sua vida volte a ser um conto de fadas. A situação foge do controle e ela e Morgan precisam entrar em uma louca corrida contra o tempo para ajeitar as coisas e voltar a ter um final feliz.
O cinemagem e o meu “feliz para sempre”
Quando este canal começou a crescer e a receber muitas visitas, pensei que já havia chegado no topo. Que não havia mais nada a conquistar e mais nada a aprender. Eu achava que tinha chegado no meu “feliz para sempre” e que agora era só aproveitar todas as possibilidades… mas não foi assim que a coisa aconteceu.
Conquistar um objetivo, por mais alto que seja, é só o primeiro passo para um objetivo ainda maior. O casamento é a mesma coisa. Casar não é só o fim de uma etapa, mas também o início de uma outra ainda maior, que pode ter dezenas de desdobramentos. É exatamente isso que a Giselle descobre quando sua vida começa a desandar e que eu descobri quando notei que eu ainda não tinha chegado no ponto onde esperava chegar. Ainda havia muito trabalho para ser feito. E ainda há muito trabalho para ser feito.
Mas, voltando ao filme, já deixo claro aqui que “Desencantada” não é (nem de longe) tão bom quanto o original. Se o primeiro me divertiu e me tirou algumas lágrimas, este novo me deixou um pouco entediado em algumas cenas. Um bom editor poderia tirar longos minutos sem interferir no entendimento da trama. Mas o plot central fez a história valer a pena.
Giselle acreditava que tudo seria mágico daquele momento em diante pelo simples fato de que havia encontrado um amor verdadeiro. Isso não soa bobo, ainda mais quando consideramos que ela vem de um mundo onde a magia existe, de fato. Também sabemos que o amor – junto com a música – é o que temos mais próximo da magia no mundo real.
Ao descobrir que as coisas dão errado, Giselle se torna ainda mais crível. Ao ser confrontada por uma adolescente que a ama, mas que não quer ser como ela, que não quer se vestir como ela e que não é tão otimista quanto ela, a protagonista se vê em um cenário onde nunca se imaginou. Ela é uma estranha no paraíso.
O auge dessa compreensão vem quando ela se descobre que não é a mãe de Morgan, mas sua madrasta. E nos contos de fadas, as madrastas são sempre as vilãs. Então vem o pedido e a grande transformação do filme. Com o mundo se tornando cada vez mais parecido com um conto de fadas devido ao pedido de Giselle para uma varinha mágica, ela também nota que sua personalidade está mudando. Ela está virando uma madrasta cruel.
Isso pode soar clichê e, de certa forma, realmente é. Mas a atuação de Amy Addams é tão boa e sua entrega é tão bem aproveitada que é impossível se afastar da história. Queremos saber onde isso vai parar. As pequenas sutilezas no olhar da Giselle bondosa e da Giselle malvada é digna de aplausos.
Minha única crítica a esse plot é que ele enfraqueceu uma discussão que eu gostaria de ter visto mais: os conflitos entre Morgan e Giselle, filha adotiva e madrasta, que se amam mas que não conseguem se entender como antes. Tudo isso se torna superficial quando a magia surge e a resolução não aprofunda as possibilidades levantadas no primeiro ato.
Outro detalhe que trouxe ecos na minha vida é a necessidade de resolver problemas e, de certa forma, controlar a situação. Isso atormenta Giselle a todo instante e faz com que ela queira melhorar a vida da filha, mas só causa mais sofrimento. Muitos pais cometem esse erro e muitos empreendedores também. As pessoas precisam de liberdade e, quando você ama de verdade o seu filho ou seu negócio, acha difícil conceder essa liberdade.
Mas o controle também não resolve o problema e nós aprendemos a duras penas, assim com a Giselle, que a liberdade também é uma prova de amor. Que as pessoas só se desenvolve só nós as deixarmos livres. É bem como a Dori diz para o Marlim no filme Procurando Nemo:
Se você não deixar nada acontecer com ele, nada vai acontecer com ele.
E eu não posso deixar de falar em uma pequena coisa que me incomodou também: a semelhança enorme entre as três “bruxas vilãs” e as três bruxas de “Abracadabra”. Isso me tirava do filme toda vez que elas apareciam. E quando fui pesquisa sobre, descobrir que o diretor do longa, Adam Shankman, estava envolvido com a produção de Abracadabra 2. Pode ser só uma coincidência, mas eu senti a semelhança antes mesmo de saber desse fato.
Ainda falando da direção, fica obvio que este não é o maior trunfo do filme. A direção é eficiente e cumpre todos os requisitos necessários, mas não é única. Na verdade, se perde em alguns clichês. Identifiquei também alguns erros de edição em cenas com cortes estranhos e desconexos. Nada que atrapalhe a experiência, é claro, mas suficiente para incomodar um chato como eu.
A trilha sonora, que é um grande trunfo do filme, é uma das partes mais divertidas. Mesmo que nenhum das faixas tenha o mesmo peso que as músicas do filme antigo (quem nunca cantarolou “como ela sabe que a ama”?), todas apresentam um estilo único, voltado para os clássicos da fase de ouro da Disney. É um show a parte.
Para concluir, preciso dizer que o filme é honesto. Cumpre praticamente tudo o que promete e vai agradar todos os fãs do longa original, embora eu tenha minhas dúvidas sobre se ele sobrevive sozinho, sem o efeito da nostalgia. As atuações são boas e Amy Addams brilha ainda mais do que o normal, mostrando que nasceu para esse tipo de papel e para qualquer outro que ela queira encarar.