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    Blog do Matheus Prado

    Matheus Prado é professor universitário, jornalista, escritor e cineasta. Autor de quatro livros, ministra cursos sobre escrita criativa e storytelling.

    FALE COMIGO: os fantasmas se divertem e os jovens filmam tudo para postar no TikTok

    Dirigido pelos novatos Danny e Michael Philippou, a produção parece, à primeira vista, só mais uma trama de terror sobrenatural. O que se segue, no entanto, é algo que me parece uma análise interessante das questões profundas e contemporâneas que assombram a juventude.

    Ainda que o terror não seja meu gênero favorito, tenho sido abarrotado por filmes como esse nos últimos dias. E nem vou fazer surpresa para dizer que Fale Comigo é, de longe, o melhor de todos eles. Não que seja um produção incrível e absurdamente revolucionária, mas é a primeira a sugerir algo pensando para a nova geração.

    Claro que, como você verá mais adiante, essa também é minha maior ressalva quanto ao filme, mas entender como os jovens pensam e se comportam é uma boa forma de desenvolver ficções com maior impacto e chance de engajamento. E foi justamente isso que aconteceu com o filme, que já chegou a virar trend no TikTok.

    E como tudo que a A24 produz, o filme já chegou cheio de expectativas. Tanto que os diretores anunciaram que já gravaram o segundo filme, que será um prelúdio do filme original, mostrado inteiramente através da perspectiva de celulares e mídias sociais. Eu confesso que não sei se quero ver isso, mas…

    Dirigido pelos novatos Danny e Michael Philippou, a produção parece, à primeira vista, só mais uma trama de terror sobrenatural. O que se segue, no entanto, é algo que me parece uma análise interessante das questões profundas e contemporâneas que assombram a juventude. A história nos leva a um universo sombrio, onde a busca por distração e fuga da realidade vão até as última consequências.

    Adolescentes fazem idiotices em todos os locais do mundo e sempre fizeram isso. Mas, para quem é velho como eu, o sentimento é de que as coisas se intensificaram nos últimos anos, com o fortalecimento das redes sociais. Dessa forma, é absurdamente crível que jovens usem uma misteriosa mão embalsamada que invoca espíritos como uma forma de se divertir. Mais do que isso: eles gravam tudo.

    Jovens sendo jovens em “Fale Comigo” | Créditos: Diamond Films

    É neste contexto que conhecemos a protagonista Mia (Sophie Wilde), uma jovem deprimida que decide participar da trend macabra para tentar se esquecer do aniversário de morte da mãe. E é claro que as coisas saem do controle e tudo dá errado. Mia fica obcecada com a ideia de conversar com os espíritos, uma vez que isso oferece uma possibilidade única: conversar com a mãe e entender o que aconteceu de verdade.

    Para ser mais filosófico, posso dizer que Fale Comigo é um filme que transcende o rótulo de filme de terror sobrenatural para explorar o horror cotidiano da Modernidade Líquida de Zygmunt Bauman, onde a conexão com o mundo espiritual é uma metáfora para as conexões superficiais que os adolescentes fazem em suas vidas.

    Ao mesmo tempo, o filme nos convida a refletir sobre como nossa sociedade atual lida com vícios, depressão, suicídio e relações efêmeras em um mundo onde a busca por conexões reais é frequentemente substituída por interações digitais e eventos passageiros.

    Sophie Wilde como Mia em “Fale Comigo” | Créditos: Diamond Films

    Um ponto que merece bastante destaque na produção é a direção de fotografia. A escolha dos planos ajuda na construção das cenas com o mesmo afinco com que deixa as cenas mais interessantes, criando bons momentos em quase todas as cenas. Dessa forma, o filme pode deixar de lado o uso exagerado de jump scare para focar no que realmente importa: a história.

    Ao mesmo tempo, os jovens cineastas criam uma atmosfera claustrofóbica, destacando a alienação e a vulnerabilidade dos personagens. E enquanto o roteiro se desenrola de maneira sinistra e surpreendente, revelando uma história que vai muito além das aparências, a cinematografia contribui para o clima sombrio e opressor. E mais uma vez a trama nos leva a pensar sobre como as escolhas que fazemos podem nos levar a consequências inesperadas e até mesmo a abismos emocionais.

    Fale Comigo | Créditos: Diamond Films

    Falando de atuação, é impossível não destacar a performance emocionalmente intensa de Sophie Wilde. Nos primeiros momentos, eu achei a personagem chata, blasé e um pouco pegajosa com a única amiga, mas logo entendi que essa era exatamente a intensão da direção.

    Mia perdeu suas conexões com o mundo real e não consegue encarar o próprio pai, por quem sente um misto de pena, desprezo e ódio. Ao mesmo tempo, projeto todos os anseios na amiga Jade, vivida por Alexandra Jensen. É assim que Mia lida com o trauma e isso vai ter um impacto absurdo no final da história, quando as vozes dos espíritos falam mais alto do que as das pessoas vivas que a cercam.

    Mas o destaque vai para Joe Bird, que interpreta Riley, irmão de Jade. Por viver momentos mais intensos, suas cenas foram as que mais me impressionaram. Ao mesmo tempo, mais do que um mero coadjuvante na trama, sua presença é fundamental e, novamente, nos ajuda a entender a estranha relação dos adolescentes modernos.

    Joe Bird brilha como Riley em “Fale Comigo” | Créditos: Diamond Films

    Fale Comigo é uma exploração audaciosa dos vícios modernos, da depressão, do suicídio e da busca por significado em um mundo estranho e opressor.

    Se por um lado os fantasmas invocados pelos personagens soam como metáforas dos demônios que assombram a sociedade contemporânea, por outro também mostram como o adolescente moderno é incapaz de lidar com o mundo que ele mesmo cria.

    E aqui vai o ponto da minha crítica que pode irritar algumas pessoas… Fale Comigo é um ótimo filme, mas ajudou a aumentar meu preconceito total e autoinfligido contra jovens e adolescentes. Sei que já fui um deles e nem faz tanto tempo assim, mas passar pouco mais de uma hora e meia vendo festas, conversas e problemas de jovens, ainda que faça sentido dentro do filme, foi o verdadeiro terror na minha vida.

    Pontuação individual

    direção
    atuação
    fotografia
    montagem
    roteiro

    Sobre a obra

    Um grupo de amigos descobre uma mão embalsamada e dotada de poderes estranhos, que permite conjurar espíritos. Como é de se esperar, todos ficam muito empolgados com a nova descoberta, mas não demora muito até que a brincadeira tome um rumo extremamente perigoso quando um deles acaba indo longe demais e, por acidente, abre uma porta para o mundo espiritual.

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