Tem filmes que você assiste torcendo para gostar. Pela figura retratada, pela potência do ícone ou pela história que carrega em si. Homem com H foi esse tipo de filme pra mim.
Fui com o coração aberto, com admiração pelo artista que é Ney Matogrosso, disposto a me deixar levar. Mas saí cansado. Não com aquele cansaço bom, que te pega depois de um mergulho profundo, mas com o esgotamento de quem andou em círculos por duas horas — esperando encontrar uma alma que nunca se revela.
O cinema já provou que biografias podem ser muito mais que recortes cronológicos. Mas, aqui, o que temos é um mosaico confuso entre devaneio, provocação forçada e um desfile de cenas que tentam parecer ousadas, sem de fato dizer algo novo. Tudo é uma encenação intensa demais, como se o filme gritasse o tempo todo “olhem como sou moderno!”. Mas, por trás da maquiagem carregada e dos filtros psicodélicos, falta o que Ney mais teve na vida: coragem genuína.
A proposta do filme é clara: mergulhar na psique de um artista plural, queer, radical e libertário. Mas esse mergulho nunca passa da borda. Sabemos que Ney sofreu na infância, que teve conflitos internos, que se dizia ator antes de cantor… Mas tudo isso é jogado em tela como slogans e depois abandonado.
O filme até tenta evocar temas importantes, como a construção da identidade, o desejo e a contracultura, mas nunca os costura numa narrativa com peso. É como se os conceitos servissem apenas para enfeitar, não para aprofundar.

E aqui reside o maior pecado do filme: o uso do visual como muleta. A direção de Esmir Filho aposta numa estética de videoclipe publicitário, cheia de closes em corpos suados, câmeras tremidas, luzes pulsantes e cenas de sexo filmadas como se estivessem tentando vencer um festival alternativo em Berlim.
O problema é que tudo isso, ao invés de revelar camadas de Ney, acaba diluindo sua complexidade num balé narcísico. Se existe uma linha tênue entre arte provocadora e pornografia inócua, o filme pisa nela com gosto… e tropeça.
Ainda assim, nem tudo se perde. Jesuíta Barbosa carrega o filme com uma entrega admirável. Ele se pendura no pole, dança de salto, transita entre masculinidades e performa com intensidade. Seu olhar em cena é, por vezes, hipnótico. Especialmente nos poucos momentos em que o roteiro permite que a humanidade escape por entre as camadas de tinta e figurino.
A cena do primeiro encontro da banda Secos e Molhados, por exemplo, é uma das poucas que realmente pulsa emoção verdadeira. Mas essas fagulhas parecem vir mais do talento do elenco do que de qualquer faísca autoral do diretor.

O uso constante de montagens paralelas, onde uma cena importante é intercalada com outra de sexo ou introspecção, soa quase como uma confissão do próprio diretor:
Não confio na força da minha cena, então vou intercalar com imagens bonitas e sensuais para te manter ligado.
Isso denuncia uma insegurança narrativa que fragiliza ainda mais a proposta. Não há fluxo, não há arco. Só cenas coladas como retalhos, alguns brilhantes, outros sem costura.
E é preciso dizer: a estética do filme, embora assumidamente camp e performática, beira a caricatura de tão mal-acabada. O figurino parece ter saído direto da 25 de Março, com brilho, exagero e nenhum requinte. E tudo bem abraçar o kitsch, já que Ney sempre fez isso com maestria, mas aqui falta direção artística que dê sentido a esse exagero. Parece mais um carnaval mal ensaiado do que uma homenagem à liberdade criativa.
No clímax, a cereja do desconforto: a participação do próprio Ney Matogrosso em pessoa, como se fosse preciso validar tudo aquilo que foi mostrado até ali. O problema não é o aparecimento em si, mas o tom: o filme se converte em propaganda. Em vez de ser um retrato honesto, com sombras e luzes, transforma-se numa peça publicitária chapa-branca. Ney não precisava disso. Ele já é maior do que qualquer tentativa de canonização.
No fim, Homem com H não é nem um estudo de personagem, nem um manifesto artístico coerente. É um filme que grita muito, mas diz pouco. Que tenta provocar, mas choca da forma mais óbvia. Que tenta ser ousado, mas recorre aos velhos clichês de novela noturna com filtro de Instagram.
E, acima de tudo, que parece desconfiar do próprio protagonista e por isso recorre a truques visuais e cenas vazias para tentar preencher um vazio que, no fundo, poderia ter sido ocupado apenas pela arte. A verdadeira. Aquela que Ney sempre fez com o corpo, com a voz e, até mesmo, com o silêncio.