Eu não tenho medo de filmes de terror. Sou cético em quase todos os aspectos sobrenaturais da vida e isso me torna quase imune a boa parte do cinema de horror ocidental que chega aos cinemas e serviços de streaming. Mas existe um único tema que consegue abalar minhas forças: extraterrestres.
Desde que assisti Contatos de Quarto Grau (2009) e cai como um patinho nas mentiras do roteiro “baseado em fatos”, carrego um certo trauma e um medo absurdo de ser abduzido a qualquer instante. Mas é claro que isso não me impede de desafiar a morte e querer me expor a produções que abordem esse tema de uma forma interessante.
Foi exatamente isso que aconteceu com Ninguém Vai Te Salvar, filme dirigido por Brian Duffield e que estreou no catálogo do Star+ no dia 22 de setembro. A produção aborda um tema comum nos filmes de terror, a invasão de residência, mas faz isso de uma forma inusitada, colocando alienígenas como os grandes vilões.
No longa, acompanhamos a vida de Brynn Adams (Katelyn Dever), uma jovem que luta para superar o luto e o transtorno de ansiedade em seu isolamento. No entanto, sua vida solitária é abruptamente interrompida depois que centenas de naves extraterrestres pousam na pequena cidade e começam a abduzir todos os moradores.
Ninguém Vai Te Salvar é o segundo filme de Brian Duffield como diretor. Conhecido por seu trabalho como roteirista em A Babá (2017) e Amor e Monstros (2020), ambos desenvolvidos para a Netflix, o cineasta tem certa experiência com filmes feitos diretamente para o streaming. Seu primeiro filme como diretor, Espontânea (2020), já mostrava isso muito bem.
Mas não posso deixar de lamentar o fato de não poder ver o longa no cinema. Não tenho dúvidas de que teria feito muito sucesso e angariado uma legião de fãs. A história é curta e eficiente, feita especialmente para viralizar, mas isso não impede que tenha suas doses de originalidade e seu impacto cultural.
E vale destacar que, ao mesmo tempo em que segue a fórmula do sucesso para viralizar no TikTok, o filme também é inventivo quando pensamos em cinema, como linguagem. De tempos em tempos, regras não ditas se formam em Hollywood, definido coisas como gêneros primários, mensagens ocultas e tempo de duração das produções.
O longa vai contra essas convenções ao apresentar uma trama de apenas 1h 33min de duração, que carrega apenas duas linhas de diálogo ao longo de toda a projeção. E apesar do estranhamento, essa escolha torna a experiência cinematográfica deixa narrativa visual ainda mais interessante e força os atores a entregarem muito mais, ainda que com menos recursos.
Dessa forma, o longa mergulha na mente de Brynn, seja quando ela é tratada com desdém e até mesmo com ódio pelas pessoas da cidade, seja quando ela é confrontada pelos intrusos alienígenas e forçada a enfrentar o passado que ela tanto tentou esquecer. Nesse aspecto, o roteiro também se torna muito eficiente, apresentando cada revelação aos poucos e no momento certo, nos forçando a desenvolver nossas próprias teorias para o que teria acontecido antes de tudo.
A ausência de diálogos, embora pareça pouco realista e até caricata nos primeiros segundos, logo se torna uma peça fundamental para a trama. Pensando nisso depois, concluí que seria impossível gerar o mesmo impacto caso tivéssemos ouvida a personagem gritar ou se expressar de alguma forma verbal ao longo do filme. Afinal, o silêncio desafia o espectador a interpretar os eventos e as emoções dos personagens.
E se o filme carece de diálogos em favor da história, a trilha sonora sutil e minimalista de Joseph Trapanese acentua a sensação de isolamento e ansiedade, contribuindo para a atmosfera perturbadora do filme. Não há nada de espectacular, mas é eficiente e cumpre o papel de ambientar e criar tensão a cada novo momento.
Ao pesquisar sobre o filme na internet, descobrir algumas pessoas criticando o design dos alienígenas apresentados na trama, caraterizando-os como genéricos ou sem personalidade. E aqui eu preciso descordar. Seguir uma estética padronizada e já conceituada da imagem que temos de seres extraterrestres não é um ponto negativo da trama, apenas mais um artifício do diretor para deixar tudo mais palatável.
O objetivo central não é criar uma nova mitologia alienígena, como feito por Ridley Scott em Alien: o Oitavo Passageiro. O puro e simples objetivo de Brian Duffield é se apropriar dos simbolismos já presentes na sociedade, aqueles que facilmente reconhecemos e compreendemos, e utilizá-los como forma de contar uma história.
Dessa forma, os aliens clichês funcionam bem melhor do alguma coisa totalmente nova e original. Inclusive, arrisco a dizer que ele também se utilizou de creepypastas nas referências, como o Slender Man, nas cenas em que as criaturas assumem formas gigantescas, meio humanóides e meio aracnídeas.
Dito tudo isso, encerro concluindo que Ninguém Vai Te Salvar é altamente recomendado para aqueles que apreciam filmes que desafiam as convenções, valorizam a narrativa visual e buscam uma experiência cinematográfica intensa e emocionante. Mesmo que não seja totalmente revolucionário, o longa demonstra o poder do cinema em contar histórias e transmitir emoções sem a necessidade de palavras.
E espero que Hollywood abandone um pouco o horror clássico e batido focado em espíritos, demônios e criaturas sobrenaturais em favor de novas formas. Extraterrestres funcionam muito bem na ficção científica, é claro, mas também podem ser uma grande fonte de sustos e terror, quando bem explorados.