Mais

    Blog do Matheus Prado

    Matheus Prado é professor universitário, jornalista, escritor e cineasta. Autor de quatro livros, ministra cursos sobre escrita criativa e storytelling.

    PINÓQUIO: uma belíssima obra de arte sobre o poder do amor e a dor da perda

    Uma das primeiras coisas que aprendi quando comecei a estudar cinema é que um mesmo filme tem efeitos diferentes em pessoas diferentes, por mais parecidas que essas possam ser. Há uma série de elementos específicos que, unidos, tornam a experiência de assistir um filme algo único e intransferível.

    É por isso que há tantas pessoas que amam um determinado filme com a mesma intensidade que outras tantas o odeiam. Nenhuma delas está errada e nenhuma delas está certa. Cinema não é sobre estar certo ou errado, mas sobre entrega. É sobre aliar-se a todas as experiências que o filme propõe e, com base na sua vivência, sentir se ele é para você.

    Tudo isso me veio a tona quando, entre lágrimas e sorrisos, assisti Pinóquio, novo longa do diretor Guillermo Del Toro. Vou falar mais sobre tudo o que vi e senti, mas não posso começar sem dizer que, para mim, este é o filme certo, na hora certa. E se eu o assistisse há alguns meses, sei que não teria a mesma experiência e o mesmo impacto. Seria um filme diferente para um Matheus diferente.

    Sua primeira pergunta talvez seja a mesma que eu fiz quando fiquei sabendo que esse filme existia: por que mais um filme do Pinóquio? Além do clássico da Disney de 1940, centenas de outras pessoas já adaptaram o romance “As Aventuras de Pinóquio”, publicado por Carlo Collodi em 1883. A própria Disney lançou um remake em 2022, que eu não assisti e, por enquanto, não pretendo.

    Mas quando vi o primeiro trailer da obra de Del Toro divulgado pela Netflix, eu entendi. Sei que o diretor fala sobre sua vontade de produzir este filme há anos. E ele estava certo em insistir por tanto tempo. O mundo precisava desta versão.

    Depois de perder o filho para a guerra, o velho Geppetto entra em um ciclo de autodestruição, que culmina na construção de um estranho boneco de madeira. Mas o boneco acaba sendo despertado por um espírito da floresta, que o incube de trazer alegria para a vida do velho. Um grilo falante, que almeja ser escritor, é responsável por ensinar o jovem a viver a vida, em troca de ter um desejo realizado ao fim dessa jornada. Porém, depois de muitas desilusões para todos os lados, o boneco acaba fugindo para um circo, acreditando que esse é o melhor jeito de não fazer mal ao pai.

    Em primeiro lugar, Pinóquio fala sobre perda. Todos já perdemos alguém na vida, então é fácil entender os paralelos. Mas ele também fala sobre a possibilidade real da perda e sobre quão inevitável ela é. E foi nesse aspecto que o filme me impactou.

    Estou prestes a me tornar pai. Minha primeira filha vai nascer em abril e, mesmo sem te-la visto ainda, não consigo nem descrever o tamanho do meu amor. É algo que nunca julguei ser possível sentir. Então, quando me vi acompanhando os primeiros minutos do filme, que já começa com o velho Geppetto (David Bradley) cuidando do túmulo do filho, senti um baque profundo. Dali para frente, eu entendi que esse filme teria um tom diferente do que eu esperava.

    Apesar de amar e estudar profundamente os contos de fadas, não sou fã de Pinóquio. Sempre foi uma das histórias que menos gostei, devido ao tom mórbido e sombrio que ele propõe, até mesmo no filme de 1940. Mas, pensando agora, acho que eu nunca tinha entendido o real significado da produção.

    Por isso, foi impossível fugir do paralelo com Up: Altas Aventuras, filme de 2009 que mostrava um velho incapaz de desapegar da esposa morta. Agora, vemos um velho incapaz de desapegar do filho morto, mas seguindo um caminho diferente, tomado pela depressão e o abuso do álcool. Tudo isso em meio a uma guerra devastadora e a ascensão do regime fascista e desprezível de Benito Mussolini.

    O próprio Pinóquio, que surge do resultado de um surto de fúria e desespero de Geppetto, se mostra digno de nomear a obra, por mais que ela trate mais do medo do velho. Interpretado originalmente por Gregory Mann, o menino de madeira nos encanta por sua inocência e por sua sinceridade, mesmo quando deveria nos irritar.

    E é nesse processo de entender que o pai tem medos e aflições, mas que elas não podem se sobressair aos desejos e aspirações do filho, que, mesmo não sendo humano, ainda é uma pessoa. Dessa forma, o filme se desnuda ao passo em que sugere que você faça o mesmo. E para um pai de primeira viagem assustado como eu, nada soa mais assustador do que a ideia de perder o filho, mesmo que seja de forma figurativa. Minha filha ainda não nasceu, mas eu já quero prendê-la em meus braços, como Geppetto faz quando entende que Pinóquio também é seu filho.

    Criando a vida em stop motion

    E assim como o próprio Pinóquio é a tentativa do homem de criar e moldar a vida, a animação em stop motion é uma forma do cineasta criar e moldar a magia do movimento. Nenhuma outra forma de animação me soam tão íntima. Há uma entrega real, um trabalho de artesão que se iniciou nos primórdios do cinema e que, ainda hoje, mais de 100 anos depois, ainda emociona e deslumbra.

    Sabendo disso, digo que é praticamente impossível separar o roteiro da fotografia, quando falamos de grandes cineastas como Guillermo Del Toro. Em Pinóquio, isso se torna ainda mais evidente. Afinal, o diretor é uma das grandes provas de que animação não é apenas para crianças, mas é uma forma de arte única e incrível, que foi a base primordial para a criação do cinema como o conhecemos.

    O mesmo vale para as músicas. Há números musicas na obra, mas elas não transformam a produção em um musical enfadonho. Na verdade, elas têm o poder de transmitir sentimentos que soaria opacos, se transmitidos apenas com palavras.

    Dessa forma, temos em Pinóquio uma junção perfeita de um roteiro magistral e uma técnica cinematográfica que, embora pareça simples, é tão sofisticada quando o mais aclamado dos clássicos. Uma obra capaz de emocionar pessoas diferentes de formas diferentes e por motivos diferentes.

    Mas é claro que, como pai, não consigo assistir o filme com um olhar tão técnico, afastado da trama e avaliando apenas os aspectos visuais, como fazem alguns críticos. Sentei-me para assistir uma história clichê, pela qual não tenho muito interesse, mas me vi dragado para um universo novo, encantador e, ao mesmo tempo, devastador.

    Pinóquio é um filme que me fez chorar e repensar minha relação não apenas com o cinema, mas com a forma como eu encaro a vida e as pessoas. Não é um filme leve, mas traz em si uma suavidade e uma crueza que não vemos em qualquer produção. E Guillermo Del Toro, adaptando um clássico da literatura que possui tantas versões disponíveis, consegue a façanha de se tornar original, mesmo recriando conceitos muito conhecidos.

    Pretendo rever Pinóquio todos os anos. E agradeço ao diretor pela oportunidade única de ter assistido esse filme depois de adulto, podendo entender todas as mensagens, ao mesmo tempo em que sigo aberto para conhecer outras.

    Pontuação individual

    direção
    atuação
    fotografia
    montagem
    roteiro

    Sobre a obra

    Depois de perder o filho para a guerra, o velho Geppetto entra em um ciclo de autodestruição, que culmina na construção de um estranho boneco de madeira. Mas o boneco acaba sendo despertado por um espírito da floresta, que o incube de trazer alegria para a vida do velho. Um grilo falante, que almeja ser escritor, é responsável por ensinar o jovem a viver a vida, em troca de ter um desejo realizado ao fim dessa jornada. Porém, depois de muitas desilusões para todos os lados, o boneco acaba fugindo para um circo, acreditando que esse é o melhor jeito de não fazer mal ao pai.

    conheça nosso canal no telegram!

    O cinemagem agora tem um canal no Telegram! Participe para receber as principais notícias da cultura pop com exclusividade! É só clicar AQUI. Você também pode acompanhar nosso canal do YouTube. Lá você encontra críticas, notícias e masterclass sobre cinema. Tudo de graça para você. Viva pelo cinema!

    nossas críticas

    Assine o FILMICCA

    Últimas Notícias

    mais lidas de hoje

    Depois de perder o filho para a guerra, o velho Geppetto entra em um ciclo de autodestruição, que culmina na construção de um estranho boneco de madeira. Mas o boneco acaba sendo despertado por um espírito da floresta, que o incube de trazer alegria para a vida do velho. Um grilo falante, que almeja ser escritor, é responsável por ensinar o jovem a viver a vida, em troca de ter um desejo realizado ao fim dessa jornada. Porém, depois de muitas desilusões para todos os lados, o boneco acaba fugindo para um circo, acreditando que esse é o melhor jeito de não fazer mal ao pai.PINÓQUIO: uma belíssima obra de arte sobre o poder do amor e a dor da perda
    plugins premium WordPress