Mais

    Blog do Matheus Prado

    Matheus Prado é professor universitário, jornalista, escritor e cineasta. Autor de quatro livros, ministra cursos sobre escrita criativa e storytelling.

    SUPERMAN (2025): por que todo personagem bom precisa ser completamente ingênuo?

    Na reestreia de Kal‑El pelo olhar de James Gunn, temos um Superman que voa alto em cenas de ação vibrantes e momentos emocionais bonitos, mas que tropeça na fórmula repetitiva do diretor, no herói relutante e no vilão-clone previsível — salvo por um Luthor visceral de Nicholas Hoult e diálogos Lois‑Clark cheios de potencial.

    Alguns filmes já nascem com o peso do mundo nos ombros. Superman (2025), de James Gunn, carregava o peso de dois mundos: o recente sucesso/fracasso da adaptação sombria e melancólica de Zack Snyder e a constante implosão dos filmes da DC.

    Quando sentei na sala de cinema para assistir o longa, já esperava o mesmo espetáculo que James Gunn nos vende há anos. E logo nos primeiros segundos, já fiquei irritado com o letreiro explicativo, a coisa mais preguiçosa que um roteirista pode fazer quando não sabe como começar uma história.

    Mas ignorei isso e me deixei envolver. O problema é que, conforme a história se desenrolou, senti como se o próprio James Gunn estivesse pessoalmente compenetrado em me fazer odiar cada segundo do filme. Certo, esqueça minha síndrome de protagonista e considere por um instante alguns pontos.

    Minha sensação assistindo qualquer coisa do James Gunn é parecida com reencontrar um velho amigo em um churrasco de família: você está feliz em vê-lo, mas percebe que ele continua contando as mesmas piadas, com as mesmas pausas dramáticas, esperando as mesmas risadas. Esse é o dilema emocional de Superman em 2025: ele ainda é o herói que nos ensinou a acreditar no bem, mas agora usa o figurino ridículo (literalmente) de um diretor que, aparentemente, já disse tudo o que tinha pra dizer… mas insiste em repetir.

    Superman de James Gunn | Crédito: Warner Bros

    A nova encarnação de Clark Kent, interpretada com ternura pelo carismático David Corenswet, apresenta um Superman ingênuo e dedicado, disposto a sacrificar a própria vida por qualquer criatura viva, até um esquilo. Ao lado dele, Lois Lane (Rachel Brosnahan) tenta equilibrar a vida no Planeta Diário enquanto lida com um Clark que alterna entre anjo da guarda e man-child galáctico.

    Mas quando Lex Luthor, esse sim vivido com brilho perturbador por Nicholas Hoult, entra em cena com planos imobiliários (sempre!) megalomaníacos, que envolvem super soldados, venda de armamentos, desinformação digital, macacos treinados e clones, o filme assume seu conflito central: o choque entre idealismo e ingenuidade.

    Mais do que uma história sobre heróis e vilões, Superman (2025) é uma tentativa de re-humanizar o ícone, resgatando Kal‑El como símbolo de pureza e esperança. Só que o resultado é um homem de aço meio mole, que chora demais e parece sempre à mercê do ambiente, como se não tivesse agência sobre sua própria história. Essa é a verdadeira contradição do filme: ele quer exaltar o poder transformador da esperança, mas entrega um herói absurdamente nerfado (para usar o termo dos jovens) que parece domesticado, quase inofensivo.

    Para se ter uma ideia de como o Superman é fraco, uma das cenas mais legais do longa surge quando o Senhor Incrível (Edi Gathegi) derrota dezenas de soldados do Luthor usando suas Esferas T. Mais para frente na trama, o Superman precisa lutar com apenas dois desses mesmos soldados e não consegue. Ele precisa de ajuda! Claro que ele estava fraco e tudo mais, alguns vão dizer… Mas era o Superman, lutando com dois humanos normais com uma armadura medíocre.

    Edi Gathegi como o Senhor Incrível em “Superman” de James Gunn | Créditos: Warner Bros. Pictures

    Sinais dos novos/velhos tempos

    Estamos num momento estranho da cultura pop, onde a grandiosidade dos super-heróis cede espaço para seus traumas mal resolvidos. As pessoas (especialmente eu) estão cansadas de filmes de herói. Nesse contexto, o filme cumpre seu papel, por resgatar a inocência perdida do Superman.

    Porém, em um mundo real cheio de crises, muito mais do que um alienígena indeciso e chorão, o que nós queremos é um símbolo de força serena. Alguém bom, é claro, mas decido. Bondade não é sinônimo de ingenuidade!

    James Gunn, acostumado a mergulhar nas feridas de párias espaciais, parece incomodado com a ideia de que alguém possa ser simplesmente bom e o transforma em um Gen Z com crise de identidade. Tenta humanizar Kal‑El até o ponto de esvaziá-lo.

    Guy Gardner (Nathan Fillion), Mulher-Gavião (Isabela Merced) e Senhor Incrível (Edi Gathegi) em “Superman” de James Gunn | Créditos: Warner Bros. Pictures

    E não ajuda que a estrutura do roteiro recorra ao velho e preguiçoso tropo do “herói enfrentando sua própria cópia maligna”. O Superman lutando contra um clone (de novo!) soa menos como um conflito temático e mais como uma desculpa para efeitos visuais.

    E ainda que a execução das batalhas seja tecnicamente brilhante, com planos sequenciais giratórios que realmente arrepiam, o que está em jogo nunca parece importar de verdade. Não há tensão, só espetáculo.

    E o que dizer de Jimmy Olsen? Um personagem que parece pronto para um arco de descoberta e afeto, mas que se perde em diálogos cortados. Primeiro o filme tenta vendê-lo como o homem mais atraente do Planeta (Diário). Todas as mulheres parecem atraídas por ele, que ignora sempre.

    Mas eu tenho certeza de que havia uma cena onde ele assumia sua homosexualidade e ganhava uma dimensão nova, mas essa parte foi cortada. O resultado é um personagem sem centro, que parece estar sempre fugindo de si mesmo… ou de um subtexto que o filme decidiu ignorar.

    Nem tudo é Kryptonita

    Nem tudo é ruim, claro. Nicholas Hoult entrega um Lex Luthor absolutamente magnético: seu olhar doentio e sua fala impulsiva, sempre prestes a romper com a máscara da razão, fazem dele o único personagem realmente imprevisível do filme. É um Luthor à altura do mito, que exala ambição e desequilíbrio, e cuja performance justifica cada minuto em cena, mesmo que suas motivações ainda habitem o território do “eu odeio alienígenas porque tenho inveja dele”.

    Os diálogos quase sempre conflitantes entre Lois e Clark também funcionam como pequenas joias, com ideias emocionais potentes. Há ali uma tensão interessante entre a ingenuidade do Superman e o sarcasmo do mundo ao seu redor.

    A entrevista que o Superman cede à jornalista Lois, e não à namorada Lois, trouxe um diálogo muito bem escrito e muito bem interpretado, com reflexões profundas sobre a moral, a ética, os direitos humanos, a política internacional, o jornalismo, entre outrso temas. Tudo de forma leve e com pouco didatismo.

    Lois Lane (Rachel Brosnahan) entrevista Homem de Aço (David Corenswet) em “Superman” | Crédito: Warner Bros

    Outra cena, em que Clark e Lois conversam sobre punkrock e o que, de fato, é ser punk, também me foi muito impactante. Talvez tenham sido uma das reflexões mais bonitas que escutei nesses últimos tempos e me deixou encantado de tão simples e singela.

    E outra ideia linda que me marcou foi usada de maneira genial por Gunn: ao tentar se tornar humano, Kal‑El revela uma humanidade mais pura que a nossa. Pena que, na prática, isso se traduza num personagem previsível e, às vezes, um pouco tapado.

    A mídia manipuladora

    Mas há outro ponto, menos explorado nas críticas por aí, que revela um incômodo profundo, principalmente para quem estuda ou vive da comunicação, como eu.

    Existe, sim, uma tentativa de crítica à maneira como a população consome informação, principalmente quando o filme mostra pessoas comuns virando contra o Superman no exato segundo em que um apresentador diz algo ruim a seu respeito. A pessoa que ele acabou de salvar da morte começa a gritar, xingar e jogar objetos, como se a memória emocional fosse instantaneamente deletada com o anúncio da TV.

    Isso poderia ser uma metáfora poderosa sobre a era da desinformação, da manipulação midiática e da histeria digital. Mas a forma como o filme trata essa questão é rasa, inconsistente e, em alguns momentos, até contraditória. A mídia tradicional aparece como o único veículo que importa: televisão aberta e manchetes gritadas.

    O Planeta Diário, que deveria ser o contraponto ético e questionador, é irrelevante. Eles até publicam a matéria que desmonta a farsa de Luthor, mas quem repercute isso é um programa televisivo… e é esse programa que muda a opinião pública de novo. Sequer vemos a matéria do Planeta. Não há jornalismo investigativo com impacto, nem redes sociais que contestem ou amplifiquem as vozes dissonantes.

    O mais frustrante é que o próprio filme menciona mídias sociais, internet, manipulação de algoritmos e fake news, mas nunca mostra nada disso visualmente. A população recebe tudo pelas velhas telinhas. Não há um canal de YouTube, um podcast do Planeta Diário, um grupo de mensagens, uma trend de TikTok… nada!

    O filme se passa em 2025, mas é como se estivéssemos em 1999. Isso torna toda a crítica ao comportamento da massa um tanto preguiçosa. Ou pior: parece uma crítica fingida, feita sob medida para parecer inteligente sem incomodar os donos dos canais de televisão, que, não por acaso, fazem parte do mesmo conglomerado que distribui o filme.

    Como jornalista e pesquisador sobre o impacto da desinformação e a transformação da mídia, essas escolhas me incomodaram profundamente. Elas revelam não só uma falta de visão contemporânea sobre o mundo real, mas também uma insegurança narrativa.

    Não basta afirmar que as pessoas são manipuladas pela mídia. É preciso mostrar como, por que, e quais as consequências disso. Se não, soa apenas como uma crítica “água com açúcar”, domesticada, como o próprio Superman que o filme apresenta.

    David Corenswet voando em “Superman” | Créditos: Warner Bros. Pictures

    Conclusões

    Do ponto de vista técnico, Superman (2025) é um filme belíssimo. A direção de arte é detalhista e coerente com o tom quase retrofuturista da narrativa, enquanto a fotografia de Henry Braham, colaborador habitual de Gunn, equilibra bem a paleta quente da fazenda Kent com os neons ácidos de Metrópolis.

    A montagem tem ritmo e energia, mas, como em outros trabalhos do diretor, abusa de cortes rápidos para esconder o que poderia ser desenvolvido com mais silêncio. Já a trilha sonora, assinada por John Murphy, tenta equilibrar momentos épicos com introspecções melancólicas, mas sem nunca alcançar o impacto de John Williams.

    No fim das contas, Superman (2025) é uma contradição ambulante: quer ser clássico, mas é formulaico; quer ser poético, mas é superficial; quer ser novo, mas é mais um filme de James Gunn. Ainda assim, há lampejos de algo maior. Alguns bons momentos de verdade emocional, de beleza cênica, de reflexão sincera sobre bondade em tempos cínicos. São esses momentos que justificam o ingresso.

    Porque talvez ainda precisemos acreditar. Não num homem que voa, mas na ideia de que a bondade não precisa ser ingênua. E, mesmo quando é, ainda pode nos surpreender.

    Superman de James Gunn | Crédito: Warner Bros

    Pontuação individual

    direção
    atuação
    fotografia
    montagem
    roteiro

    Sobre a obra

    Em "Superman", acompanhamos a jornada do super-herói em tentar conciliar suas duas personas: sua herança extraterrestre como kryptoniano e sua vida humana, criado como Clark Kent (David Corenswet) na cidade de Smallville no Kansas. E ele será colocado à prova através de uma série de aventuras épicas e diante de uma sociedade que enxerga seus valores de justiça e verdade como antiquados.

    conheça nosso canal no telegram!

    O cinemagem agora tem um canal no Telegram! Participe para receber as principais notícias da cultura pop com exclusividade! É só clicar AQUI. Você também pode acompanhar nosso canal do YouTube. Lá você encontra críticas, notícias e masterclass sobre cinema. Tudo de graça para você. Viva pelo cinema!

    nossas críticas

    Assine o FILMICCA

    Últimas Notícias

    mais lidas de hoje

    Em "Superman", acompanhamos a jornada do super-herói em tentar conciliar suas duas personas: sua herança extraterrestre como kryptoniano e sua vida humana, criado como Clark Kent (David Corenswet) na cidade de Smallville no Kansas. E ele será colocado à prova através de uma série de aventuras épicas e diante de uma sociedade que enxerga seus valores de justiça e verdade como antiquados.SUPERMAN (2025): por que todo personagem bom precisa ser completamente ingênuo?