Aquarius começa com fotos em preto e branco de uma Recife de outrora, que já não existe mais, isso acompanhado de uma música que será elemento marcante no longa. A redundância usada é uma ode aos trabalhos de Kleber Mendonça Filho. Tanto aqui como no seu trabalho anterior, o diretor clama, de forma reflexiva, às mudanças que marcam a capital pernambucana pelas mãos dos empreendimentos imobiliários.
Há uma cena em que a protagonista se encontra em uma recreação na praia. Pode passar despercebida, mas ela se faz importante na construção das várias coisas que o diretor quer falar. Grupos de diferentes pessoas são mostrados e Kleber consegue, indiretamente, nos mostrar como estamos velados de preconceitos.
O filme conta a história de Clara (Sônia Braga), uma jornalista aposentada e apaixonada por música e última remanescente do antigo prédio Aquarius, na orla da praia de Boa Viagem. Essa terá que lutar contra as investidas de compra, nem sempre legais e cheias de ameaça escondidas em um sorriso sarcástico, de Diego (Humberto Carrão), o engenheiro neto do dono da empresa que deseja construir um novo prédio luxuoso no lugar do ultrapassado e que serve de contraste à orla, adornada de arranha-céus.
O roteiro está dividido em três capítulos, onde no primeiro embarcamos para os anos 80, brilhantemente retratados por Mendonça, em uma introdução deslocada, porém importantíssima que dará força a base emocional do longa. Desde a apresentação de Clara, (com um visual parecidíssimo com Elis Regina), a sua tia, que está fazendo 70 anos. Despossuída de certa forma de sua sexualidade, essa não para de olhar para uma mobília velha e esquecida, e relembrar aventuras da juventude com um homem que descobrimos, momentos depois, ser seu amante.
O diretor e roteirista, porém, não se limita a esse antagonismo de lados, nem faz isso de forma enfadonha. Ele quer mostrar como uma mulher de 60 anos de classe média alta vive seus dias. Expõe de forma verossímil enredos de dramas familiares e desejos sexuais. É interessante notar que há laços estabelecidos, como Clara e de e seu sobrinho mais novo. Esse tem uma namorada que protagoniza, junto com Clara, uma das melhores cenas do filme. Nela não há diálogos, só uma troca de olhares, lágrimas e sorrisos que certamente serão guardados pela protagonista.
Kleber Mendonça consegue, além de tudo, prender seu espectador nas mais de duas horas com diálogos e ações que parecem nada interligadas ao problema maior do longa, fora isso, te deixa na ponta da cadeira esperando um desfecho óbvio nunca entregue. O diretor consegue extrair cinema nas coisas mais simples, como quando usa de planos fechados para mostrar dois carros se deslocando em um estacionamento, criando uma sensação de desconforto.
Sônia Braga aparece pela primeira vez com uns 15 minutos de projeção. Além de linda, a atriz se mostra surreal, com uma atuação que convence desde o primeiro disco posto na vitrola e a primeira mexida no cabelo. Braga parece à vontade e conta com um elenco de apoio competente para entregar sua melhor atuação em tempos. Eternizando sua personagem entre os maiores heróis do cinema nacional.
Aquarius conta com uma trilha sonora fenomenal. As músicas, que vão do Queen a Maria Bethânia, são personagens do filme e se encaixam perfeitamente em cena. Cheio de metáforas digna de aplausos, como a da estrutura que está sendo destruída de dentro pra fora, o filme tece suas críticas tomando lado ideológico contra o opressor. Faz menção ao poder da impressa, exemplifica dualidades da aristocracia com o proletariado e de como a corrupção pode estar em toda parte, até mesmo dentro das igrejas. O plano de fundo do Brasil feito por Kleber Mendonça é vasto e ficará nas nossas memórias até mesmo se quiserem tomá-las.
Confira o trailer de Aquarius: